Ocupações
Há uma vontade de ocupação no mundo atualmente. Ocupações de Wall Street, do Vale do Anhangabaú, da reitoria da USP, todos querem um lugar para falar, protestar, discutir, ser ouvido. Na arte não é diferente. Desde meados da década passada, muitos artistas começaram a ocupar espaços não utilizados para exporem seus trabalhos. Casas, prédios e galpões abandonados começaram a ser espaços de exposição.
A idéia por trás das ocupações feitas por artistas é simples: criar, ao menos tempo, um lugar para ser visto, uma alternativa aos espaços institucionais e ativar um lugar outrora ocioso. Além disso, abre-se uma possibilidade de experiências e trocas entre artistas. No último sábado, em São Paulo, encerrou-se uma ocupação dessa natureza, a Ocupação Cornélia, idealizada pelas artistas Diana Tubenchlak e Lia Nasser.
A idéia da Ocupação Cornélia foi utilizar uma casa que não estava sendo usada, localizada em frente à praça Cornélia, e ocupá-la com trabalhos de artistas. Para quem está acostumado a ver obras de arte apenas em museus a galerias, a experiência de vê-las em quartos, cozinha, sala e banheiro é estranha. Num espaço diferente do habitual, as obras buscam adequar-se a ele como podem. E nem sempre é fácil identificar o que é ou não é um trabalho artístico. Numa experiência como essa, objetos comuns e obras de arte dividem espaço e, de algum maneira, se contaminam. Uma escada no banheiro é obra ou resquício de algum reparo no telhado? A xícara de café na cozinha é obra de arte no quarto? Num ambiente assim, nosso olhar passeia sempre com dúvida e, por isso mesmo, se torna muito mais atento. Abre-se um enorme leque para experiências artísticas que lidam com a natureza do objeto artístico, sua distinção do objeto comum, a transformação do objeto comum em arte, o condicionamento do ambiente e dos deslocamentos na visão do espectador sobre o objeto, etc.... Além disso, a própria arquitetura da casa oferece possibilidades para a criação de pequenos site-specifics, uma maneira de estimular a criação artística usando características específicas do local que potencializam nossa percepção do ambiente.
A Ocupação Cornélia não pretende ser apenas um espaço para exposição de arte. Tendo a casa como centro motivador, a idéia é criar e refletir sobre uma série de outros produtos concernentes a uma exposição de arte, como divulgação, críticas, curadoria e processos artísticos. Sua natureza independente, afastada das instituições, lhe dá liberdade e arejamento. Espaço ideal para que artistas e críticos participem de forma livre e espontânea. Se essa experiência tiver continuidade e se for bem utilizada, pode gerar experiência muitas ricas. Esperemos, desde já, as próximas edições da Ocupação Cornélia.
Cahoni Chufalo é formado em Letras e pós-graduando em Arte:crítica e curadoria, pela PUC/SP. Fez curadoria da exposição Adentro, de Moara Chufalo, no centro cultural UFMG. Mantém o blog www.cahoni.blogspot.com